segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Encontrarte Amares 2011...texto da Mizy :):):)

E aqui está mais um dos textos...
Tenho razão ou não tenho??
Esta Menina tem talento:)
«O espaço das vozes

Estou aqui sentado há uma eternidade.
Hoje - não sei porquê - não sinto o tempo passar: como se ele se tivesse esquecido de se levantar, adormecido, cansado das correrias e dos angustiantes atrasos de vida.
Disseram-me que esperasse.
Sinto a sala asfixiantemente cheia: estas vozes ocupam todo o espaço.
Para mim - que já há muito não tenho imagens nos olhos - as pessoas tornaram-se do tamanho das suas vozes. Construo-lhes, mentalmente, a cara e a figura pelo timbre e pelo tom. Pinto-as com as cores dos cheiros que vestem.

Algumas - como esta mulher que está sentada do meu lado direito - ocupam imenso espaço: com a voz; o perfume; a forma como respira, nos poucos silêncios que faz; a forma como não respira, nas frases sem pausas. Este seu bailado doce com notas de tangerina, pimenta rosa e…pêssego – sim, definitivamente, pêssego - inunda-me os sentidos de forma quase tão intensa como a que ela – descaradamente – seduz o homem que conheceu há minutos.

Parece ser um padrão do comportamento humano - de três previsíveis -, alternativos ou complementares: seduzir, queixar-se de tudo e por nada, e dizer mal dos outros. Só porque sim.
Esta sala começa a ser pequena para tantas respirações impacientes.
Disseram-nos que esperássemos.

Do meu lado esquerdo, sinto um homem cuja voz ocupa pouco espaço. A sua respiração é racionada. Está calmo, quase apático. Sinto-lhe o cheiro rendido do desodorizante barato. Está sozinho. É sozinho – podia quase apostar.
Atrás de mim, um casal tenta manter um diálogo, constantemente rasgado pela tensa luta entre o desprezo, da voz dele, e o ressentimento e raiva, da dela. Tentam sussurrar, mas a tensão fá-los esquecer que estão numa sala absolutamente repleta de respirações impacientes. Nos curtos silêncios que fazem, para engatilhar o discurso com novos argumentos de mágoas e falhas, ele bate impacientemente com o pé na cadeira, enquanto ela mastiga, furiosamente, uma pastilha elástica – menta, um agressivo menta. Um casal absolutamente normal: disfuncional, com expectativas desencontradas e falta de coragem para serem felizes sozinhos, fora do ciclo viciante de uma relação falhada.

Sinto aqui perto a voz estéril de uma mulher amarga que grita com o filho. Tem no timbre o ressentimento de escolhas erradas e ilusões estilhaçadas, sem hipótese de colar, pedaço por pedaço – como, provavelmente, fez com algumas das memórias da adolescência, que tanto tenta esquecer. E aquela criança: a prova viva da sua azeda frustração.

Senhor Silva, chegou a sua vez – sinto uma voz serena tocar-me no rosto - antes de passarmos à próxima sala, quero pô-lo a par do procedimento e esclarecer qualquer dúvida que possa ter: faleceu há cerca de duas horas, vítima de atropelamento, lembra-se de alguma coisa?»
Marisa

1 comentário:

Madalena disse...

Tens TODA a razão!! Tem mesmo muito talento :)